A 50ª Zona Eleitoral de Araucária, vinculada ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, julgou totalmente improcedente uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) que acusava o Partido Solidariedade de fraude à cota de gênero nas eleições municipais de 2024 para o cargo de vereador. A decisão, proferida pelo Juiz Eleitoral Carlos Alberto Costa Ritzmann nesta segunda (16), beneficiou os candidatos representados, incluindo Anderson Dutra, cuja candidatura feminina foi questionada.
A ação foi movida pela coligação “O trabalho continua” e pelo ex-vereador Ben Hur Custodio de Oliveira, que alegavam irregularidades em duas frentes principais.
O caso Anderson Dutra: A questão da autodeclaração de gênero
Um dos pontos centrais da AIJE era a candidatura de Anderson Dutra. Os autores alegavam que, embora Dutra tivesse se registrado como mulher transgênero junto à Justiça Eleitoral , ele teria se apresentado como homem cisgênero (pessoa cujo gênero se alinha ao sexo atribuído ao nascer) durante toda a campanha eleitoral. A coligação argumentou que Dutra se identificava há anos como homem gay e que não haveria evidências de uma transição de gênero recente ou em estágio inicial. Para os autores, essa situação configuraria uma fraude à cota de gênero, desvirtuando o propósito da lei que busca incentivar a participação feminina na política.
A defesa de Anderson Dutra, no entanto, argumentou que ele declarou o gênero feminino no registro de candidatura por se sentir assim. Explicaram que o cadastro eleitoral de Dutra, que o identifica como masculino, é antigo (de 2008) e não foi atualizado. A defesa ressaltou ainda que, conforme a Resolução nº 23.609/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o gênero declarado no registro de candidatura deve ser considerado, mesmo que diferente do Cadastro Eleitoral. Argumentou-se também que a autodeclaração de gênero não exige tratamentos hormonais ou cirurgias de redesignação, e que a forma como uma pessoa se apresenta publicamente pode ser influenciada pelo preconceito e violência que pessoas transgênero enfrentam.
Ao analisar a questão, o Juiz Eleitoral Carlos Alberto Costa Ritzmann acolheu a preliminar de preclusão arguida pela defesa. Isso significa que a coligação autora perdeu o prazo para contestar a autodeclaração de gênero de Anderson Dutra, uma vez que a suposta “fraude” poderia ter sido verificada e impugnada no momento do registro da candidatura. O magistrado aplicou, por analogia, a Súmula nº 11 do TSE, que impede recursos de partidos que não impugnaram o registro de candidatos dentro do prazo, exceto em matérias constitucionais.
Além disso, o juiz, mesmo que entrasse no mérito da questão, considerou que a pretensão dos autores não se sustentaria. Ele reforçou que a legislação e os entendimentos jurídicos atuais, como o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ , privilegiam a autodeclaração de gênero. A decisão também destacou que a verificação de uma fraude de gênero exigiria uma análise técnica aprofundada, com a participação de especialistas, e que meros testemunhos de terceiros sobre a aparência ou relações sociais de uma pessoa não são provas robustas o suficiente para comprovar a intenção de burla à legislação eleitoral.
Candidaturas femininas questionadas
Inicialmente, a ação também questionava as candidaturas de Jussara Regina Leal, Denize Eloina Druciak Carpio e Sandra Mara Aparecida do Prado, alegando que seriam fictícias por não terem apresentado receitas ou gastos eleitorais significativos, nem realizado atos efetivos de campanha. No entanto, durante o processo, os próprios autores desistiram dessa parte da demanda, o que foi devidamente homologado pela justiça, resultando na extinção parcial do processo quanto a essas candidaturas
Repercussões da decisão
Com a decisão de total improcedência da AIJE, a Justiça Eleitoral de Araucária mantém a validade das candidaturas e dos votos do Partido Solidariedade nas Eleições Municipais de 2024, reforçando o princípio da autodeclaração de gênero no âmbito eleitoral e estabelecendo um precedente importante sobre o tema. A sentença destaca a necessidade de provas robustas e inequívocas para caracterizar fraude à cota de gênero, especialmente em casos que envolvem a identidade de gênero de candidatos.
Mesmo com esta sentença os autores da ação poderão recorrer, no entanto é uma vitória do Partido Solidariedade que traz tranquilidade ao mandato dos seus vereadores Professor Valter e Leandro da Academia.